Reproduzo abaixo a resenha do livro de Yvette Veyret (Os Riscos, o homem como agressor e vítima do meio ambiente) realizada pela professora Aureanice de Mello Corrêa. Esta resenha foi originalmente publicada no Boletim da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) Nº 4, 2ª Quinzena de Agosto de 2007. Disponível: aqui
Mais sobre o livro no Site da Editora Contexto
Comentário sobre a matéria jornalística veiculada pelo
jornal O globo sob o título A vida por um triz e resenha da Introdução do livro:
Os Riscos, o homem como agressor e vítima do meio ambiente, organizado por
Yvette Veyret publicado pela Editora Contexto, São Paulo, 2007.
Por Aureanice de Mello Corrêa (Professora Doutora do
Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Na esteira do mal-estar e indignação da sociedade brasileira
provocada pelo acidente aéreo do Airbus -320 da TAM em São Paulo no aeroporto
de Congonhas diante da prática dos cidadãos eleitos por voto para o exercício
de governar o país que vem se tornando naturalizada por estes - de omissão, descaso
e impunidade, o jornal O Globo (28 de julho de 2007) com a matéria de primeira
página intitulada A VIDA POR UM TRIZ - no Caderno Prosa e Verso -promove a
divulgação do livro OS RISCOS, O HOMEM COMO AGRESSOR E VÍTIMA DO MEIO AMBIENTE,
organizado por Yvette Veyret, geógrafa e professora da Universidade Paris X
através da entrevista concedida à jornalista Rachel Bertol pela especialista em
tela.
Na entrevista Veyret sinaliza que o mundo historicamente vem
se deparando com as calamidades e catástrofes, porém a noção de risco é
relativamente recente e que contemporaneamente vem ganhando destaque nos
debates e análises efetuados por técnicos, acadêmicos, governos e sociedade
civil sobre a questão denominada gestão de risco . (Ver BECKER, U. (1986) Die Risikogesellschat
des Verschwindens [A Sociedade de Risco] Frankfurt: Suhrkamp ; BRUSEK, F.J.
(2001) A Técnica e Os Riscos da Modernidade. Florianópolis. Editora da UFSC).
Segundo a entrevistada os riscos são muitos e vinculados aos mais variados
domínios, isto é, temos desde as catástrofes naturais aos colapsos econômicos,
passando pelos acidentes industriais, doenças (como um dos exemplos, gripe
aviária) até o caos urbano e o terrorismo, e destaca como mais um dos exemplos
desta amplitude do risco em seu relato, o acidente aéreo com o Airbus da TAM em
São Paulo, ocorrido na semana anterior à matéria jornalística.
Traçando uma breve apreciação sobre o conteúdo do livro que
organizou Veyret expõe que os artigos analisam em distintas regiões do mundo a
situação de risco e aponta que no capítulo dedicado à América Latina, esta se
encontra graduada em três situações vinculadas a uma política de gestão
insuficiente. O Brasil em conjunto com a Argentina e Venezuela ocupa uma
posição intermediária em relação aos que categoriza como países avançados sob
uma política de gestão insuficiente do risco a Colômbia, Chile, México e
Equador e, o que considera como os pouco satisfatórios, o Peru e a Bolívia. Ao
sinalizar a diferença de níveis de conscientização sobre o risco - entre os
países desenvolvidos, destacando como os da Europa e os países em
desenvolvimento, a geógrafa declara que esta configuração possui como uma das
conseqüências a proliferação de discursos de cunho catastrofistas especialmente
aqueles proferidos pelos governos.
Trabalhando com a diferença do nível de conscientização que
é operado sob as práticas culturais e desejos e necessidades engendradas
subjetivamente e agenciados coletivamente, expõe que na África os maiores
riscos ainda possuem referência na fome, em contrapartida, no Japão o risco se
encontra no comportamento passivo da população que culturalmente formada para a
obediência finda por gerar uma falta de iniciativa individual da população,
fato que aumentou a gravidade de situação de risco, ou vulnerabilidade desta população
diante do terremoto que atingiu Kobe em 1995. Expõe também que na América
Latina a situação de risco se adensa nas cidades com alta concentração urbana,
especialmente as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Cidade do México. Por
fim, declara que o crescimento da população urbana mundial tornou-se o fator
determinante no século passado para desenvolvimento da noção de risco, sendo
que a globalização atuou/ atua como responsável para que esta noção socialmente
construída assumisse proporções dramáticas nos primórdios deste século XXI.
Na Introdução do livro Veyret define o risco como um objeto
social pois este se encontra na percepção do perigo ou de uma catástrofe
possível efetuada pelo indivíduo agenciado coletivamente seja socialmente,
profissionalmente, pertencente a uma comunidade ou sociedade que o identifica
através das representações mentais efetuando o saber lidar cotidiano destes
através das práticas materiais e imateriais da cultura. Sendo assim, não há
risco sem uma população ou indivíduo que o perceba e que poderia sofrer seus
efeitos (pág. 11). Os riscos são estimados, assumidos ou recusados e é a
declaração de uma ameaça para quem está sujeito a ela e a percebe como tal.
Sob a perspectiva acima apresentada a autora em tela advoga
o lugar do geógrafo na discussão multidisciplinar já clássica sobre o risco, os
acidente e as catástrofes empreendidas pelos campos do saber da geologia,
meteorologia, química, física, sociologia, direito e economia, argumentando que
por ser uma questão social, o risco interroga necessariamente a geografia que
se interessa pelas relações sociais e por suas traduções espaciais (pág.11).
Após tecer uma apresentação da inscrição da situação de
risco na relação sociedade natureza, aponta que qualquer que seja o atributo do
risco, se industrial, econômico, ambiental a gestão deste está necessariamente
vinculada à eleição de políticas e ações decisórias da organização do
território. Para tanto esta abordagem, mister da geografia, tece uma ação
dialógica com outros campos do saber e para tanto emerge a necessidade da
correta definição do objeto de estudo e de um vocabulário comum a todos.
Desta forma, o objeto a ser trabalhado é o risco, ou seja, a
percepção de um acidente de uma crise, de uma catástrofe. Neste ponto a autora
efetua uma distinção entre risco e acontecimento catastrófico, para ela o cerne
da questão reside na prevenção, isto é, na crise ou na catástrofe a ação é de
urgência no socorro de planos previamente levantados, mas que não surtiram o
efeito esperado e o risco é o fator que exige ser incorporado pelas práticas
econômicas, e pelas políticas de organização do território (Como exemplo, da
questão apontada pela autora em tela, pode-se observar a catástrofe do
terremoto ocorrido em Pisco no Peru 15/08/07- país considerado por Veyret como
pouco satisfatório na graduação efetuada pela mesma ao analisar os países da
América Latina em relação às políticas de gestão consideradas como
insuficientes. Segundo o serviço geológico dos Estados Unidos
earthquake.usgs.gov o terremoto em Pisco obteve como primeira medição a
pontuação de 7.9 sendo corrigido para 8.0. Causou a morte de 500 pessoas e a
destruição de 32.000 moradias. Fonte: Reuters ).
No tópico seguinte que denomina RISCOS E CIÊNCIA, nos
apresenta a onipresença do risco na sociedade contemporânea e em seguida a
autora discorre sobre a questão do progresso da ciência dos séculos passados e
a produção do discurso positivista, no qual, a possibilidade da segurança total
fundamentava-se sobre a crença do desaparecimento da incerteza e do risco.
Como exemplo relembra que no século XVIII devido à potente
evolução da ciência e das técnicas pensava-se que, catástrofes naturais, como
foi o terremoto de Lisboa (1755) seria possível de ser evitado. Entretanto,
ressalva que no mundo globalizado, hodierno, a natureza passa a ser observada
como benevolente mesmo que sejam registrados terremotos e outras alterações naturais
e a ciência ameaçadora e maléfica (pág.15), tendo em vista que, boa parte das
catástrofes no mundo atual foi provocada pela ciência e a técnica, como exemplo
a bomba atômica e os usos equivocados do ambiente pelas indústrias e seus
efeitos malsãos e que são atualmente detectadas pelo avanço das pesquisas desta
mesma ciência e técnica que promoveu no passado em nome do desenvolvimento a
implantação do progresso produtivo. Esta mudança de ótica por parte da
sociedade contemporânea é exposta ela autora para contextualizar a
transformação do procedimento no estudo e análise do risco. Ou seja, nos
distanciamos da orientação do passado da eliminação do risco para a compreensão
da inexistência do risco zero e para a importância do gerenciamento
territorial.
Finalizando a Introdução Veyret apresenta a composição do
livro que é efetuada em quatro partes: a primeira a definição de riscos e sua
tipologia (VEYRETE e MESCHINET de RICHEMOND); a segunda se dedica a analisar
alguns aspectos dos riscos no mundo em desenvolvimento, América Latina
(THOURET), África (CAMBRÉZY e JANIN), Bangladesh (GLEMAREC); a terceira
focaliza os países ricos sob os riscos naturais e tecnológicos. Esta questão
foi analisada na França, riscos naturais (VEYRETE e MESCHINET de RICHEMOND) riscos
tecnológicos/industriais (DONZE), na Europa (VEYRETE e MESCHINET de RICHEMOND)
no Japão (PELLETIER) e nos Estados Unidos (HEUDE); a quarta parte destina-se a
tratar dos riscos econômicos (BOST) e dos riscos sociais (VIEILLARD-BARON), e
conclui afirmando que o vasto campo de estudos constituídos pelos riscos é um
campo científico de contornos mal definidos efetuando as seguintes questões: O
que há de comum entre riscos de incêndios e riscos econômicos ou os
relacionados à violência urbana?; O conjunto denota uma objetividade científica
ou ela está por ser construída?; A abordagem do geógrafo e suas ferramentas de
análise são capazes de fazer emergir pontos em comum ou, ao contrário, de
destacar a existência de fronteiras temáticas, espaciais, dinâmicas?
Respondendo a suas questões a autora declara que este
domínio não está unificado e que algumas pontes podem ser traçadas entre os
olhares híbridos desde que a escala de análise seja pertinente. Sendo assim, na
manutenção das escalas espaciais e temporais o geógrafo se encontra no cerne
dessas questões e por fim, pode-se pensar que o risco climático global pode ter
consequências sobre a economia e sobre a área financeira...... Este processo
suscita novas questões: Trabalhar com o risco faz com que sejam invocadas as
noções de ruptura e de descontinuidade?; O risco que se transforma em crise
acarreta uma reflexão sobre a ruptura ora vista como uma descontinuidade brutal
e às vezes definitiva, ora como uma passagem de um equilíbrio dinâmico a um
outro?; O risco e a situação de crise incrementam as divisões entre os atore ou
reforçam os elos sociais?
Publicado no Boletim da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) Nº 4, 2ª
Quinzena de Agosto de 2007. Disponível aqui
Sobre o livro: Site da Editora Contexto
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