Uma palavra de Paulo Freire - palestra proferida durante a Jornada Pela Vida, Rio-92
Reproduzido na obra:
Viezzer, Moema; Ovalles, Omar. Manual Latino-Americano De Educ-Ação Ambiental. São Paulo: Editora Gaia, 1995. (p. 13-14.)
[página 13]
"Se adestram os animais, se cultivam as árvores e se educam os seres humanos... Apanhando esta afirmação, poderíamos dizer que o cultivo, o adestramento, a educação passam pela vida. Nada disso é possível sem vida.
Na história da experiência de viver que caracteriza a experiência dos outros animais, das árvores e da experiência humana, nós, homens e mulheres, fomos os únicos capazes de inventar a existência.
O momento em que a vida foi virando existência se situaria precisamente quando a vida se soube vida; quer dizer, quando o ser vivo virando ser existente se soube vivendo e foi capaz de, pensando, falar o pensamento preso ao concreto e ao real. Nesse momento, a vida não apenas se soube vida, mas soube que sabia. Aí começa a possibilidade da distorção e da deterioração da vida que possibilitou a existência.
Homens e mulheres inventam a história que eles e elas criam e fazem. E é exatamente a história e a cultura que homens e mulheres criam e fazem, a cultura alongando-se sobre a história, a história voltando-se sobre a cultura, que gera a necessidade de educar. A educação nasce na relação entre a cultura e a história, dentro da cultura e da história. Por isso não se faz educação dentro da cabeça de ninguém; se faz educação no contexto histórico, no contexto cultural. É por isso também que ela não pode ser neutra; não há, nunca houve, nem vai haver neutralidade [fim da página 13 - início da página 14] educacional. Uma das conseqüências da invenção da existência foi a impossibilidade da neutralidade na criação.
A invenção da existência deu-nos a possibilidade de estarmos não apenas no mundo, mas com o mundo. Eu posso mudar o mundo e é fazendo isso que eu me refaço. É mudando o mundo que eu me transformo também.
Agora vejam, de duzentos anos para cá, a experiência da existência humana se transformou devido a uma coisa chamada "tecnologia", que já existia antes, mas não numa escala tão ampla. A tecnologia não é diabólica, é uma invenção das mulheres e dos homens. O que é diabólico é o uso político da tecnologia contra os interesses das massas populares.
Viver implica correr riscos. Mas existe uma diferença entre correr riscos sabendo que se corre e não sabendo. Isso nos diferencia das plantas e dos animais. O risco do avanço na invenção tecnológica é enorme. Por isso, uma das brigas maiores que nós, existentes, temos que ter é a briga para colocar a existência à altura da vida.
Nós temos de colocar a existência decentemente frente à vida, em sua contradição com a vida, em sua dialeticidade, de tal maneira que a existência não mate a vida e que a vida não pretenda acabar com a existência, para se defender dos riscos que a existência lhe impõe.
Isso para mim faz parte dessa briga pelo verde.
Lutar pelo verde, tendo certeza de que sem homem e mulher o verde não tem cor."
Referência:
Freire, Paulo. Uma palavra de Paulo Freire - palestra proferida durante a Jornada Pela Vida, Rio-92. In: Viezzer, Moema; Ovalles, Omar. Manual Latino-Americano De Educ-Ação Ambiental. São Paulo: Editora Gaia, 1995. (p. 13-14.)
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