Folha de São Paulo, sexta-feira, 29 de maio de 2009
Candidatas usam maquiagem verde
Desde a confirmação do Brasil como sede da Copa de 2014, em outubro de 2007, algumas cidades do Norte e do Centro-Oeste tentam associar suas candidaturas a aspectos relacionados ao ambiente. Em alguns casos, entretanto, a propaganda verde não corresponde à realidade ambiental.
Capitais dos Estados líderes em desmatamento da Amazônia brasileira, Belém (PA) e Cuiabá (MT) são as que apresentam realidades mais distantes da alardeada "Copa Verde".
A capital paraense, que disputa com Manaus e Rio Branco a sede amazônica do Mundial, tenta fazer com que a devastação já perpetrada na região seja esquecida. Em material publicitário do governo do Estado para a Copa, cita-se que "Belém é cidade verde" e que "verde é o que não falta no Pará".
Mas, na região metropolitana de Belém, a quantidade de metro quadrado de floresta per capita caiu de 211 para 176 de 2001 a 2006, diz estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Além disso, o Estado liderou o ranking de desmatamento da Amazônia em 2008 por ter devastado uma área superior a três vezes o tamanho do município de São Paulo.
Para o governo paraense, o importante são as tentativas de brecar a destruição da mata.
"Temos mapeadas diversas ações que estão em andamento, como as criações de unidades de conservação, as ações de controle ambiental e a gestão integrada de resíduos sólidos", enumera Lucia Penedo, coordenadora do comitê de candidatura da Copa em Belém. "Queremos mostrar que somos o portal da Amazônia."
Já Manaus argumenta que tem mais de 90% de sua cobertura vegetal preservada. Nos últimos seis anos, a taxa de desmatamento na região caiu 69,2%, de acordo com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
"Tem muito mais floresta em Manaus do que em Belém e em Cuiabá. Agora, tudo depende da BR-319 [rodovia que liga Manaus a Porto Velho]. É totalmente inconsistente essa postura [de se vender ecologicamente] com a abertura dessa estrada", afirma Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
No trajeto da BR-319, cuja pavimentação será bancada pelo governo federal, está uma das maiores concentrações de biodiversidade da Amazônia. Pesquisas demonstram que rodovias amazônicas tendem a desmatar faixas de até 30 km em ambas as margens.
O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), já defendeu que se construa ali uma ferrovia, menos nociva.
Entre as cidades candidatas à Copa na Amazônia, Rio Branco (AC) é a capital do Estado com menor índice de desmatamento da floresta. A capital acriana se remete à imagem do ícone da luta ambiental Chico Mendes, assassinado há 20 anos, para celebrar sua campanha.
Usando também slogans ambientais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm o Pantanal como esperança para convencer a Fifa a escolher Cuiabá ou Campo Grande como sede.
Nas campanhas publicitárias, o mote da "Copa no Pantanal" cobriu as duas cidades com fotografias de tuiuius, araras e peixes da região.
Para entidades ambientalistas dos dois Estados, como a Ecoa (Ecologia e Ação) e a Remtea (Rede Mato-grossense de Educação Ambiental), no entanto, a realidade das políticas públicas para o bioma não se encaixa na imagem descrita pelos materiais de divulgação das candidaturas.
O prefeito de Campo Grande, Nelson Trad (PMDB), diz que o Estado é "exemplo de desenvolvimento sustentável".
No caso de Mato Grosso, a campanha de sua capital Cuiabá, que é baseada no slogan "A Copa do Pantanal", ainda oculta o fato de que o Estado é o segundo maior desmatador da Amazônia segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de 2008.
O governo do Estado, no entanto, diz que tem conseguido reverter as taxas de desmatamento. Desde 2004, a devastação vem caindo em Mato Grosso, mas, em 2008, ainda se manteve alta, o correspondente a dois municípios de São Paulo.
(JOÃO CARLOS MAGALHÃES, KÁTIA BRASIL E RODRIGO VARGAS)
MARIANA BASTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se hoje a Amazônia é usada como vitrine para as cidades candidatas à Copa exporem seus atributos ambientais, no futuro, em 2014, a maior floresta tropical do mundo pode vir a ser a vidraça do Mundial no Brasil. Essa é a constatação de ambientalistas e pesquisadores consultados pela Folha.
"Não adianta falar em Copa verde se não houver meios imediatos para que o evento promova melhorias nas questões socioambientais", afirma Paulo Moutinho, diretor de pesquisas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
"Uma dessas ações seria promover a compensação de emissões de carbono da Copa. Outra seria expor metas para a redução de desmatamento", sugeriu.
Durante o anúncio do Brasil como sede da Copa, na Suíça, em 2007, o tema ambiental teve forte presença na cerimônia. O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), foi o escolhido para discursar. A CBF preparou vídeo no qual foram exibidas maravilhas naturais.
A realidade, porém, é mais ameaçadora do que a "Copa Verde" propalada.
"Hoje, mesmo com a queda do desmatamento, há a devastação de o equivalente a cinco campos de futebol por minuto na Amazônia", alerta Paulo Adário, diretor do Greenpeace Amazônia.
Segundo o relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, o desmatamento é responsável por 20% das emissões de carbono no mundo. E o Brasil é o quinto maior emissor desse gás, justamente devido às taxas de desmatamento na Amazônia.
Para Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, o fato de o país sediar um evento como a Copa pode atrair ainda mais as atenções da mídia internacional sobre o tema, assim como ocorreu na China, com a Olimpíada de 2008.
"Na China, antes do início dos Jogos, falou-se muito em outras coisas, como poluição. Então, seria interessante [para o movimento ambiental] ter a imprensa cobrindo a Copa em algum desses lugares líderes de desmatamento, como Mato Grosso e Pará", comentou.
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