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O conceito de Espaço Total de Aziz Ab'Saber (1995)

Em 2004, quando entrei em contato com a biblioteca do Instituto de Geociências da Unicamp e o Acervo Christofoletti digitalizei para uso pessoal este capítulo de um livro onde foi transcrita uma das lindas palestras do Prof. Aziz Ab'Saber ocorrida em 1993. Espero que ele seja útil para todos que quiserem aprender com o mestre. As numerações correspondem às páginas do documento original, referenciado a seguir. Os grifos são meus.




Imagem da Terra feita da Estação Espacial Internacional (ISS)


AB’SÁBER, Aziz. O Conceito do Espaço Total e a problemática da reorganização dos espaços regionais. In: LOCH, Ruth e CAMPOS, Nazareno. (Org.) Resgate Histórico das Semanas de Geografia da UFSC. Florianópolis: Imprensa da UFSC, 1995. p. 96-104.

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(Pg. 96)

XIV SEMAGEO – 1993

Conferência de Abertura1

O CONCEITO DO ESPAÇO TOTAL E A PROBLEMÁTICA DA REORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS REGIONAIS

Aziz Nacib Ab’ Sáber

Por muitos anos a Geografia foi considerada sempre uma disciplina e não uma ciência, porque ela era de síntese e por isso, ao fazer síntese não seria ciência.
Eu me revolto profundamente contra isso. Toda síntese é a verdadeira ciência, e a ciência é a potencialização do conhecimento retirado da análise do mundo empírico; e se uma disciplina tenta ser interdisciplinar, ela está fazendo melhor ciência.
Isso tem tido implicações muito sérias na profissionalização dos geógrafos. Quando é necessário muita interdisciplinaridade, não existe espaço nos serviços técnicos, não existe espaço naqueles que convidam os geógrafos para fazer os cursos especializados de Geografia para os seus técnicos e para os seus cientistas, e nesse sentido há uma espécie de perfídia contra os geógrafos no Brasil. Eles só servem para algumas coisas em certas horas e não servem permanentemente para coisas mais essenciais para as quais eles se prepararam.
Feita essa primeira observação, tenho uma segunda. É a ciência ela própria. A ciência é feita para o conhecimento de todas as coisas. O conhecimento do universo, da estrutura da matéria, da estrutura da vida, da origem da atmosfera, da origem dos organismos vivos de diferentes áreas (vegetais, animais e microrganismos), e é feita em um nível de potencialização do bom senso. Todo cientista tem que ser um homem que cuide da potencialização do bom senso. Mas isso pode ser apenas uma frase, pois "potencializar o bom senso" sem método não adianta nada para qualquer tipo de ciência.
Então a nossa arma básica para "potencializar o bom senso" no conhecimento das realidades físicas, das realidades físico-químicas, das realidades ecológicas, das realidades sociais, está no método. É o método que conduz a potencialização do conhecimento.
Em segundo lugar temos a escala, um problema seríssimo que não é muito projetado para uma sociedade moderna. Ninguém pode tratar coisas complexas sem ter ao mesmo tempo método e noção de escala. É aí é que entra o geógrafo. O geógrafo é um cidadão particular que estuda a organização dos espaços terrestres, e quando eu digo terrestres me refiro a terras e águas e ares, com movimentos na vertical e na horizontal, acima das terras e das águas, participando de ciclos complicados da natureza.
É preciso que se conheça o método geográfico e ao mesmo tempo se tenha noção de escala dos fatos que compõe a estrutura, a composição, a funcionalidade, os ritmos e os espasmos daquilo que acontece na face da terra, e aí está o nosso campo.
Quando me foi solicitado para discursar sobre região e paisagem eu meditei sobre três possibilidades: em primeiro lugar são termos didáticos, em segundo lugar são termos clássicos e em terceiro lugar são termos a aprofundar. São termos que precisam ser revistos permanentemente, não por modismos mas pela necessidade de integração com todas as outras ciências que caminham junto no conhecimento dessas realidades.
Os termos geográficos mais simples são certamente os que se desdobrem em níveis máximos de complexidade; se penso em região estou pensando na paisagem, no espaço, no território. Outro fato importante é a complexidade conceitual dessas expressões tais como região, paisagem, território e espaço, pedem um esclarecimento para mídia. Não basta que os geógrafos modernos falem em território com um conceito muito especial de territorialidade, sendo que as pessoas mais simples nunca venham a saber o que seja (Pg. 97) territorialidade ou o que seja a nova noção de território. Mesmo porque no passado, território era apenas as terras e os espaços físicos e ecológicos e sociais pertencentes a uma área administrativa de um país. Quando se falava de região estadual não era dada a oportunidade de se falar em território (onde já se viu alguém falar no território paulista ou no território catarinense? Isso seria um modismo, um regionalismo muito grande na acepção do passado). E hoje os geógrafos usam isso com uma conotação especial de espaço, fazendo-se necessário ter muito cuidado para não confundir a mente daqueles que precisam receber novas noções ou pelo menos acepções novas e velhas de palavras.
Outro problema é o nível de aprofundamento, que depende da organização do pensamento científico de cada pesquisador em cada época. Não é possível a gente pensar que os termos vão ficar fossilizados como ficaram em algumas ciências. Nos Estados Unidos todo e qualquer trabalho tem que ter fisiografia, geologia, climatologia da região. Estão separando realidades que se interconectam e não conseguem deixar de prosseguir em separado no uso desses termos, tanto nas escolas de geologia quanto nas escolas de geografia, quanto nas escolas de planejamento; o que diminuiu a força do planejamento naquele país, sobretudo na sua pretensão de projetar idéias para o terceiro mundo, principalmente para nós brasileiros.
Um outro problema é o que em cada época envolve o cientista de ponta, com novas exigências do pensamento epistemológico. De repente o cientista se percebe de que os velhos termos têm que ser repensados em função de uma série de fatores interferentes. Certamente há um fator muito ruim, é o trânsito das palavras entre os modismos dispensáveis. De repente a pessoa adota um modismo e não se sabe de onde partiu, e passa a entender que aquilo é a sua ciência. Em segundo lugar é a maneira pela qual as pessoas se apoderam de termos de um cientista, de um filósofo, de um grande homem de saber do passado, e não adaptam àquele termo a realidade do seu país. Um termo velho que nasceu em outras circunstâncias, em outras conjunturas, em outras estruturas regionais, de repente, é incorporado à ciência de um país, que não medita muito sobre os termos e não há adaptação nenhuma daquele termo ao caso de seu país. Um terceiro caso são as mudanças das potencialidades do método. As revisões sobre o método indutivo, sobre o método dedutivo, sobre a hora em que se emprega um tipo de método e sobre a hora em que os outros métodos são mais importantes. Outra coisa é a capacidade correta de teorização. Esse é um fato essencial. Não se teoriza antes de conhecer muito. Só se pode teorizar em geografia utilizando-se dos seus princípios básicos, da possibilidade de comparar situações, de comparar casos em que a natureza é igual e as sociedades são diferentes.
Então a teorização vem com o tempo, mas também não se pode desprezar o esforço na direção da teorização. Há uma necessidade de equilíbrio. Não se teoriza a custa do nada, e não se faz boa teorização sem pensar nos diversos pequenos acréscimos que o nada proporcionou.
Um outro problema são os acréscimos da própria vivência. É evidente que nós, em cada época de nossas vidas, temos vivências diferenciais. Em cada momento da vida, mesmo durante o transcorrer do cotidiano nós estamos com noções novas sobre velhos assuntos. Quem não acrescentar às suas vivências fica no passado, fica teorizando, fica unindo coisas desconexas, coisas que tem conexidade fácil e isso é perigoso para a ciência.
Outro tópico que anotei em minhas meditações, diz respeito à especialidade e à interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, e à internalização da disciplinaridade em ciências diferentes. Vejam vocês, existe urna visão disciplinar que via de regra se rotiniza e que é muito projetada para o ensino, sendo muito negativa quando ela não tem olho na disciplina da sua particular atenção, e em face das disciplinas do entorno imediato, que são conexas ou inter-conexas, e das disciplinas distantes, que também podem ocasionar dinamizações especiais. Então existe uma visão disciplinar, uma visão científica especializada que não faz mal a ninguém, mas que não pode ser única e uma visão holística no melhor sentido dessa palavra. holístico significa uma integração dinâmica do conhecimento e significa também uma visão integrada de estruturas, de composições, de funcionamentos da vida ecológica ou da vida social e ao mesmo tempo significa ter uma atenção especial da vida social e ao mesmo tempo significa ter uma atenção especial para os momentos de ritmos habituais e os momentos de ritmos anômalos, de ritmos que os geomorfologistas do meu tempo chamavam de arritmos, ou de momentos espasmódicos dos fatos sociais.
Eu ainda estou sob a pressão de um tipo de análise que fiz há alguns dias sobre o nordeste seco. (...) e por isso mesmo eu tenho a impressão que o melhor que a ecologia deu ao geógrafo foi a sua preocupação em estudar estrutura de um lado, funcionalidade de outro. Só que entre estrutura de um lado, funcionalidade (Pg. 98) que os biólogos insistem em termos de urna "sine-ecologia", de uma ecologia mais ampla, existe o problema de fazer estudos sobre a composição. Tenho a estrutura, mas qual a composição que se anicha sobre aquela estrutura. A composição dos seres vivos vegetais e animais, as perturbações introduzidas pelo homem, que modifica a composição primária e a sobreposição da demografia, que modifica fundamentalmente toda estruturação físico-ecológica dos espaços herdados da natureza, e depois tem os ritmos habituais e os ritmos não habituais.
No caso do nordeste brasileiro, quem não tiver noção de ritmos habituais não vai fazer ciência, ciência social e ciência sócio-econômica. Vamos fazer uma pequena síntese:

  • O nordeste brasileiro na sua área seca de 750.000 km2, com transições que vão a 900.000 km2; de área, portanto três vezes o Estado de São Paulo, talvez quatro com as transições, asila a maior população conhecida de toda faixa semi-árida do mundo. É uma região semi-árida super povoada em termos da capacidade de suporte ecológico que a região possui, em termos de solos, de águas e de possibilidades.

  • Bom, daí deriva que esse imenso estoque de humanidade distribuído por esse espaço total nordestino seco, não tem condições de agüentar anos muito ruins, onde não chove, os rios não correm, os açudes não enchem, os solos não são beneficiados pela presença de água, e aí multidões de pessoas dos sertões mais interiores ficam no pior sistema de miséria que possa haver; porque é uma miséria que não é permanente, ela é ocasional e as pessoas não tem resistência para conviver com ela, porque há fome, miséria, falta de administração e falta de percepção por parte dos organismos centrais que deveriam atender aos momentos de espasmos climáticos hidrológicos. Então, vejam vocês, o nível da miséria que acarreta a situação de espasmos numa região que vai indo muito bem dentro da sua pobreza extremamente brilhosa e que de repente um ano em que as pessoas precisam pedir esmolas, precisam se transformar em precisantes, precisam fazer peditório. Aquela gente não está acostumada a fazer isso.

Outra coisa, os governantes não conhecem nada. Se nós fizéssemos um teste com o atual presidente da república, o senhor Itamar Franco, veremos que ele é um dos homens que menos conhece a estrutura, a composição, a funcionalidade, os ritmos habituais e os espasmos por que passam algumas regiões brasileiras. Como é que se pode dirigir um país se não se conhece a realidade total? neste sentido os geógrafos tem que pressionar os governantes. Não é para dar lições ao Itamar Franco, mas ao seu governo, às suas secretarias, aos seus ministérios; não é possível que os economistas tenham dominado todas as áreas profissionais do país, dirigindo um país para o qual eles não conhecem o todo nem a parte (teste meu feito em relação a certos contactos que eu mantive com faculdades de economia). Então os geógrafos têm que se paralelizar, não é para paralelizar com o seu conhecimento regional, com o seu conhecimento de região, de paisagem, de espaço, de estruturação do espaço, de composição dos espaços, de funcionalidade dos espaços. Ele tem que estar lá. Não é fácil, eu tenho excelentes amigos na administração pública e muito raramente eu posso assessorar, ao contrário do que parece, é difícil. Durante quatro anos na cidade de São Paulo, uma das metrópoles mais complexas do mundo, onde o desenvolvimento e o subdesenvolvimento são a dualidade geral (mas existe uma tri-dualidade), existe uma super diversificação de problemas entre a metrópole interna, a metrópole intermediária, a metrópole externa, zonas peri-urbanas metropolitanas e as zonas da metrópole externa distante; os administradores por mais amigos que sejam da gente, jamais nos chamam para assessorar a administração. Eu estou pensando na minha grande amiga dona Erundina, onde em quatro anos eu não tive a possibilidade de chegar e dizer: dona Erundina eu estudo essa cidade há 50 anos, gostaria de dizer alguma coisa sobre os defeitos da organização e da funcionalidade do seu espaço. Não foi possível. Agora muito mais difícil ainda do que a dona Erundina, porque indiretamente a gente faz chegar as idéias a ela através de terceiros, são os governantes atuais do país. Collor de Melo não tinha possibilidade de ser analisado, de ser conceituado como um presidente de um país de escala continental, com regiões diferenciadas, com problemas de desigualdade social, com necessidade de outras óticas em termos de desenvolvimento para certas áreas, e uma política de economia auto sustentada para outras. Mas não mudou muito com Itamar, e não vi mudar muito com os seus assessores mais imediatos, porque não há interesse, não existe esforço algum na integração do cientista preparado para dizer fatos de interesse para o planejamento. Nesta questão de planejamento, já vou dizendo logo a vocês, nós temos um gasto desnecessário. Não adianta no Brasil fazer Ministério da Fazenda de um lado, (Pg. 99) com planejadores embutidos, internalizados, e de outro lado um Ministério de Planejamento com uma estrutura fantástica, com gente que não sabe fazer planejamento, e não tem nem mesmo capacidade para selecionar os planos que estão acumulados e que ainda são herdeiros de um planejamento tecnocrático do tempo da ditadura. Como é que nós vamos resolver os problemas do país assim? Eu gostaria de estar falando isso para o meu ex-colega da USP o Sr. Fernando Henrique Cardoso, muito mais do que para os meus amigos geógrafos que tem muito mais noção.
Bem, um outro problema que eu gostaria de trazer a vocês diz respeito às técnicas de trabalho. Ninguém faz ciência como potencialização do conhecimento sem ter instrumentos e técnicas, ou de algo que está interessado num estudo de um tipo de organismo muito pequeninho, [que] amplia esse organismo. Os geógrafos que estão estudando territórios, espaços, têm que sintetizar seletivamente as coisas do espaço total, senão eles não conseguem outra coisa a não ser embaralhar sobre o mundo complicado da realidade empírica que domina esses espaços. Então entre um e outro não há diferença muito grande, um amplia e percebe as coisas essenciais nas suas relações orgânicas, e outro reduz para poder transmitir, para poder pensar e ao mesmo tempo selecionar áreas para detalhar.
Bom, aí entrou um problema muito sério que é o conceito de espaço total. Esses conceitos antigos de região e paisagem, já podem ficar um pouquinho de lado, não porque eles não mereçam ser atacados, melhorados, aprofundados, mas os problemas são um pouco mais no interior desses grandes fatos terminológicosE no interior da região, e no interior da paisagem, no interior de um espaço, no interior de um território. É lá que nós podemos ser úteis, analisando aquilo que nós reduzimos seletivamente, mas detalhamos com mais intensidade. Então existe a necessidade de um grande número de técnicas de trabalho que no caso dos biólogos envolve o microscópio, o estereoscópio, envolve reações e estudos bioquímicos, mas no caso do geógrafo envolve técnicas de trabalho consonantes com a grandiosidade do espaço. Faz-se então necessário entender de fotografias aéreas, poder utilizar as fotografias aéreas para detalhar os conhecimentos sobre um determinado espaço e também tem que haver uma técnica, paralela com a própria técnica, que é a técnica de saber o que aquele documento indica e o quê ele não pode indicar. Uma fotografia aérea mostra a organização das paisagens rurais dos agro-sistemas que se projetam sobre um espaço, mas não mostram nem os homens nem os habitantes de uma casa ou de um núcleo qualquer que apareça lá na fotografia aérea. E sobretudo, não mostra as infra-estruturas que existem em termos de apoio para a vida agrária, e nem mostra quais as supra estruturas que dominam o conjunto daquele espaço. Então nós temos que saber que a técnica nos dá algumas coisas, mas nós temos que completar com conhecimento "in situ" e "ex situ", das outras realidades. Bom, se existem técnicas existem também documentos especiais, e aqui os geógrafos podem fazer um trabalho muito importante.
Quando alguém que não é da nossa área, ou não é da área ecológica, vê uma imagem de satélite, pensa que não pode entender o que está sendo representando ali. É como se alguém pudesse perceber a paisagem; eu estou vendo a paisagem de vocês sentados nessas cadeiras alinhadas, e uma paisagem de vocês sentados nessas cadeiras alinhadas, é uma paisagem ordenada com um certo estoque de humanidade. Mas se eu visse de um ponto superior o conjunto, eu veria a cabeça das pessoas dentro da projeção de distâncias variáveis da periferia para o centro, com escala variáveis, etc.
Mas as pessoas não estão preparadas para observar paisagens vistas do alto, tomando grandes espaços, e se bloqueiam na interpretação. Então as imagens de satélite passaram a ser um componente importante da documentação, que à custa de bons conhecimentos formativos e à custa de boa potencialização do conhecimento, podemos dar informações muito importantes sobre o espaço total.
Bom, aqui eu chego à diferença de região, paisagem e espaço. Uma região é uma porção do território e é reconhecida historicamente pelos seus atributos físicos no sentido de vegetação, de solos, de redes hidrográficas, de tipo de água, etc., até onde ela se estende com uma certa homogeneidade, eu diria com uma certa complexidade dentro da homogeneidade relativa. Isso é uma região, mas nós podemos estudar os sub-espaços de uma região, que são diferentes entre si e tem diversidade cultural diferenciada. Vejam o caso da Amazônia. A Amazônia tem raízes indígenas e pré-históricas dos Ianomâmis, e tem o projeto Carajás lá na Amazônia oriental. Então falar da Amazônia como se fosse um todo homogêneo é estupidez, tem diversidades biológicas, diversidades culturais e até históricas e pré-históricas. (Pg. 100) Bom, região portanto não é o nosso grande problema. Já paisagem tem alguns problemas, porque os geógrafos banalizam o termo paisagem, como se ele estivesse sendo interpretado apenas como aquilo que a gente vê no espaço, de um golpe, quando paisagem e dentro da geografia castamente é paisagem ecológica, e paisagem total. Por isso mesmo quando surgiu a possibilidade de utilizar também para paisagem o termo espaço geográfico, que é um termo tão banal quanto paisagem, não diz nada, o espaço geográfico é tudo aquilo que está na superfície das terras emersas. Mas atenção, eu posso dar conotações à paisagem e posso dar conotações ao espaço geográfico, por exemplo: a paisagem agrária é muito importante na leitura científica do geógrafo.
Eu comecei a minha carreira como geógrafo por causa da leitura da paisagem agrária, eu entrei na geografia-história e eu senti que a história pedia livros (nós estávamos durante o fim de uma guerra, não havia livros, não havia trânsito e não havia dinheiro entre nós, os pobres, para comprar livros) e de repente eu me dou conta que ao invés de ler nos livros, eu podia ler a paisagem brasileira tentando interpretá-la. Uma audácia de um jovem estudante, Mas atenção, foi assim que eu resolvi a minha vida. Eu tentei ler a história da ocupação dos espaços e da economicidade através da paisagem agrária, e paisagem agrária no mundo inteiro é um dos mais importantes objetivos da geografia. A gente passa pela campanha francesa, como a área do Languedoc, com aquelas cercas vivas envolvendo terrenos e glebas de uso agrícola, ou de uso alternado com pecuária no mesmo espaço, e depois passa pelas campanhas abertas, e as campanhas abertas tem concentração de aldeias, e as aldeias continuam com homens que trabalham nos espaços do seu entorno, sem cercas, cada qual tendo um pedaço do espaço, ou alguns pedaços como foi no passado. E de repente a campanha mais próxima de Paris está implodida pela penetração da industrialização e a gente vê uma campanha que não é mais uma aldeia, que é uma cidade no meio da zona agrícola. E a gente vai lendo a paisagem e vai sentindo inclusive as harmonias que o primeiro mundo conseguiu intrometer na paisagem.
Eu confesso a vocês que nunca fui mais geógrafo, do que no dia que eu apenas por hobby, fui conhecer o centro da Alemanha. Saindo de Frankfurt, aquelas enormes plantações que formam uma espécie de dossel no entorno da cidade para garantir uma certa harmonia entre o conhecimento e a demografia. Mas ao mesmo tempo eles liberaram ao longo da estrada de ferro, pequenos espaços no meio das florestas plantadas, para se fazer alguma horticultura, para se fazer as famosas plantações de flores que o europeu não dispensa por causa do seu nível cultural e do seu nível estético. E saindo dessa região dos arredores de uma grande cidade, que está contida porque o homem a conteve através da planificação dos seus espaços peri-urbanos, de repente a gente entra pelas campanhas alemãs e qualquer borda de platô no centro da Alemanha, tem florestas preservadas e intocáveis. Não há condomínio que consiga ser instalado no meio da floresta. Não há partilha de espaço que suba os morros. Não há ninguém deixando fazer primeiro uma pastagem, como estas que então nas encostas mais altas do maciço insular da lha de Santa Catarina, que depois tentativamente serão vendidos ou para os pobres ou para os muito ricos, dependendo apenas do planejamento, da comercialização. Lá não. Aquilo que foi para ser preservado fica como está e dificilmente há invasões. Existem posturas. Existe a posição da sociedade evitando que haja predações maiores no conjunto de um espaço, que foi bem planificado para ser preservado em alguns pontos, para ser usado em outros, para ser harmonicamente utilizado por diferentes funções em outros espaços. Eu fiquei encontrado. Será que um dia nós vamos poder fazer alguma coisa de parecido com muita funcionalidade, com muito senso de biodiversidade, com muito senso de organização do espaço total?
Bom. agora eu já disse a vocês o que eu penso das regiões. As regiões são diferenciadas pelos atributos que elas recebem em termos do ingresso da cidade, das vias de comunicação e das transformações que as produções tradicionais dentro das regiões vão sofrendo ao longo do tempo, às vezes com retardo, às vezes com mais rapidez. E nesse sentido o nosso problema é entender e saber fazer caminhar o conhecimento sobre o "espaço total", aí entra a nossa área de trabalho. O que é espaço total? De como, com o conhecimento do espaço total, nós vamos ser úteis para os nossos colegas da biologia, para os nossos colegas da sociologia, para os nossos colegas da economia, para os nossos colegas da administração, para nossas elites? É aí que precisamos trabalhar. Antes de entrar na questão do espaço total, eu queria dizer a vocês que a delimitação de um espaço total, a estudar, é o nosso problema. Eu tenho que entender de uma certa área de uma região, ou de parte de um sub-espaço de uma região em termos de como os homens e a natureza evoluiu, os primeiros sobre os anteriores, e de como predaram e de como modificaram, e de como construíram um outro tipo de organização, que é a (Pg. 101) organização dos homens sobre a herança da natureza. Esse, para os países do tipo do Brasil, é um pensamento essencial. Tudo o que se faz em todas as áreas do Brasil, está se fazendo sobre processos antrópicos acumulativos, em cima da herança de naturezas regionais, que possui diferenciações internas razoáveis, mas que são heranças de velhas situações da evolução dos seres vivos, os vegetais, os animais, os micro-organismos, e depois homens da pré-história e colonizadores. Então, o espaço total, historicamente é sempre acumulativo. É a acumulação das ações antrópicas sobre ações antrópicas de diferentes épocas, e sobre uma natureza que é a base, é o suporte ecológico de todas as atividades, e que se modifica fundamentalmente se a pressão do capitalismo selvagem se fizer de um modo liberalizado por todos os espaços. Vocês não tenham dúvida, a única possibilidade de bloquear a intensidade do capitalismo selvagem, sobre a natureza dos países inter-tropicais e sub-tropicais, está na questão ecológica. Só a ecologia conseguiu colocar uma brecha no neo-liberalismo dominante no mundo. E, por isso mesmo, existem problemas sérios. Os europeus e os americanos querem que nós brasileiros preservemos a biodiversidade que eles já eliminaram, e nós brasileiros, ficamos dizendo não! O que eles querem é isso. Nós não vamos fazer isso. Não é bem assim. Nós queremos fazer isso do nosso modo. E do nosso modo tem que pressupor a ação conjunta dos biólogos, dos ecólogos e dos geógrafos, e dos planejadores, que nem sempre são de uma área só. Então, nós vamos tentar preservar biodiversidade com uma ação coletiva da sociedade brasileira através da fala dos homens mais esclarecidos.
Um outro problema que diz respeito ao espaço total, é de que via de regra, o espaço total, foi criado por ações dos homens, que não são voluntárias e que são mais ou menos espontâneas. São paradigmas de cada época. Eu sei que ninguém tem inventado diretamente o paradigma é que de repente se estendeu pêlos agrestes e se estendeu pela região dos pinhais e se estendeu pelas campanhas, criando espaços totais bastante diferenciados. Então as ações são parciais sobre o espaço, embora a tendência seja totalizante. O capitalismo selvagem não perdoa nenhum tipo de espaço. Todos os espaços, e esse foi o primeiro grande alerta da moderna geração de jovens geógrafos do Brasil, todos os espaços são considerados uma mercadoria potencial pelo capitalismo selvagem. Então vamos tirar proveito dessas mercadorias, seja ela um pão-de-açúcar, um inselberg, uma Juréia, uma área belíssima do litoral. Eu planejo a venda dos lotes para os incautos. Eles não ficam sabendo que depois que tudo estiver ocupado não existirá mais cobertura vegetal na região; os manguezais serão aterrados, as embocaduras dos rios não terão mais a mesma qualidade de água. Então vejam vocês, nós temos que estar prevenidos de que o capitalismo selvagem transformou todos os tipos de espaço em potencialidades mercadológicas. Eu e o Professor Queiroz estivemos uma vez em Atibaia para defender um morro. Um morro que era um pão-de-açúcar deitado no meio de uma morraria mais baixa, revestido por uma vegetação. Queriam implantar loteamentos em todos os entornos, e lá em cima alguém queria construir um belo hotel. Hoje é uma das grandes políticas brasileiras, nem sempre muito conhecedora dos fatos geográficos, mas que também era proprietária de parte do morro. E nós tivemos que fazer uma ação de cidadãos dentro da Câmara Municipal da Atibaia, mostrando que aquela pedra grande era a referência básica de Atibaia, como o Pão-de-açúcar, o Dedo-de-Deus e a Gávia, e outros, são os da baixada fluminense da região do Rio de Janeiro E foi uma cena fantástica quando todos nós explicamos a razão de ser da pequena réstia de cactos e bromélias que estavam lá no alto da pedra e que refletiam um resíduo, um refúgio, um mini-refúgio de caatinga, representativo de outras floras que já existiam no tempo em que aquele pão-de-açúcar não era pão-de-açúcar, era apenas um inselberg. E de repente o pessoal concordou conosco e achou que não devia fazer um hotel e nem fazer um loteamento muito partilhado. No entorno, fizeram chácaras, sítios, etc. Foi nessa hora que eu me senti ao mesmo tempo geógrafo e cidadão, e porque não dizer político? Afinal a gente conseguiu convencer pessoas em termos de uma harmonia, de uma racionalidade da necessidade de planificar diferencialmente o uso dos espaços, das paisagens e das regiões. Feito isso, eu vou dizer a vocês como é mais fácil entender o espaço total.
No meu modo de entender, aplicando os princípios econômicos de um lado e os princípios ecológicos de outro, nós podemos chegar a alguma compreensão do espaço total. Para os economistas, os espaços totais regionais possuem áreas de desenvolvimento agrário com intrusões de cidades que se relacionam com o mundo agrário, quer na comercialização, quer na transformação dos produtos agrários. E por isso mesmo, as cidades têm uma conotação de pólo de crescimento, e quando elas adquirem funções múltiplas e tem já um potencial de atuação regional, elas são pólos de desenvolvimento.
Isso começou com um grande cérebro da economia que pensou melhor nos espaços ecológicos, o que não é uma tarefa muito comum dos nossos economistas. Eles não têm nenhuma preocupação (Pg. 102) no entendimento do espaço total. Sua própria formação resulta numa tecnocracia e numa crítica de todas as pessoas que não concordarem com o seu neo-liberalismo desenvolvimentalista. Então notem bem, enquanto os economistas de ponta na Europa, fizeram aproximações sobre o conhecimento dos espaços econômicos e também dos seus atores dinamizantes, os ecologistas introduziram aos poucos noções muito especiais. A primeira noção fundamental foi de ecossistema. Foi criada em 1935; foi ontem para a nossa ciência e para nossa educação. Quando é muita coisa de 35, chega para nós depois de um século. Mas, de qualquer maneira foi difícil no mundo inteiro a generalização do conceito de ecossistema. Por ecossistema Tansley entendia, como bom botânico, sabido dos princípios da história da vida, que começou certamente pela vida vegetal, começou por bactérias anaeróbicas, depois passou para o vegetal, depois povoou os continentes e na esteira disso vieram os animais e outras coisas mais, desde as zonas costeiras para dentro dos continentes, modificando ao sabor das condições e tensões ecológicas de cada sub-espaço.
Então Tansley dizia: todo espaço visto na escala do local, ele tem um suporte abiótico e tem uma possibilidade de desenvolvimento de tipos de vida que se acoplam com os tipos básicos de vegetação. Uma vida vegetal que serve de nichos diferenciados para a vida animal. Então um suporte abiótico é um conjunto de vida. Cada região do mundo tem o seu próprio conjunto de vida. No interior de cada região tem uma família de conjuntos de vida, uma família de ecossistemas em mosaico. Não existe a possibilidade da gente dizer que domínio do cerrado é um ecossistema. O domínio do cerrado é uma família de ecossistemas com um ecossistema predominante. A mesma coisa para a Amazônia, que tem desde áreas florestais em terra firme até áreas de ecossistema altamente diferenciados em outros espaços nas grandes planícies do próprio Rio Amazonas (a floresta do dique marginal, a transição da floresta do Igapó, sempre inundada nas bases das raízes, depois as várzeas, dentro das várzeas, alguns lagos com outros ecossistemas aquáticos e sub-aquáticos, nos lados com retrações e contrações e distensões ao sabor das épocas de chuva de estiagem, etc). Então, notem bem, o conceito de ecossistema introduziu a possibilidade da gente conhecer a realidade da natureza, diferenciada pela conjunção entre o suporte geo-ecológico e o tipo de vida que ali se desenvolveu e que os homens depois interferiram.
O outro conceito nasceu como decorrência desse primeiro. Os urbanistas descobriram um dia que o homem que está na cidade, está num tipo de habitat, portanto, ele está num tipo de ecologia, mais concentrado, com partilha maior dos espaços, vivendo em contatos maiores entre pessoas diferentes quanto à classe social, e criaram uma expressão que se chamou ecossistema urbano. Então, já temos os ecossistemas urbanos que têm uma necessidade de serem tratados dentro da sua ordem de grandiosidade e da sua diferenciação ecológico, social e econômica, como um espaço muito complexo. Em terceiro lugar tem os agro-ecossistemas. Os sistemas que participam do pano de fundo de todas as áreas produtivas, de solos produtivos do mundo, que se estende desde a Europa Ocidental até as pradarias mistas e as bordas de estepes, e até as regiões tropicais. Só que nas regiões tropicais com um fato extremamente desagradável. Diretamente os colonizadores retiravam a cobertura vegetal, ou seja, a base vital dos ecossistemas, para tentar homogeneizar uma produção de cana mais tarde de café; agora de café, de cana e de soja e assim por diante.Então os agro-ecossistemas servem sempre de pano de fundo para a produtividade de alimentos e de produtos agro-industriais, numa área dada, dentro do espaço de uma região, ou dentro da paisagem vista em termos visuais.
Esses três componentes tem que ser considerados como fundamentais de um espaço total. Quando eu vou ver o espaço total de uma certa área, eu tenho que ver as taxas dos ecossistemas naturais que ainda estão bem preservados, a taxa daquilo que está mais ou menos preservado, a taxa daquilo que já foi eliminado, porque tem os outros dois, os agro e os urbanos sistemas. Nesse sentido, o espaço total é um mosaico, um pano de fundo pontilhado por cidades, por aldeias, por distritos, de relações mais diretas com o próprio mundo rural e, ao mesmo tempo, tem lá numa serrinha, uns restos de vegetação que os ecologistas tentam defender a muito custo.
Cada área tem taxas diferentes, a Amazônia ainda tem 90% de espaços primários relativamente preservados, ainda que já devassados intersticialmente e tem 10% de alto nível de degradação, na tentativa de construir espaços agro-ecológicos, sistemas agro-ecológicos. Na realidade construíram um pouco de agro-pecuária, que é só pecuária, e de repente, a pecuária não se desenvolveu e agora eles vendem as árvores, agora tem 6 ou 8 caminhos de devastação, porque os espaços pretensiosamente indicados para atividades agrárias não tiveram sucesso. Então vamos continuar explorando a madeira, cortando árvores, eu (Pg. 103) corto daqui para lá, você vem de lá para cá e aquele vem de lá para cá e de repente o espaço total que era um ecossistema bem preservado, está sendo predatoriamente interconectado. Eu estabeleci agora, num trabalho que eu estou fazendo, 8 caminhos de predações dentro da região amazônica: Por interconexão ao longo de uma estrada de rodagem, ao longo de uma estrada de ferro, ao longo de cruzamento de uma área preservada para os indígenas, ao longo da cabeceira de um rio que deveria ter sido preservado porque era uma área refúgio, ao longo dos igarapés, ao longo das colonizações empíricas feitas pêlos colonizadores, e entre as colonizações empíricas feitas pêlos colonizadores e as colonizações empíricas que têm a forma de uma espinha de peixe. Entre a colonização e a estrada de rodagem, entre a colonização e o Igarapé, entre o Igarapé e outro Igarapé, entre um rio e outro rio, e assim já se ameaçou toda a biodiversidade. Antes que a biodiversidade vegetal fosse totalmente destruída, porque ainda há alguns bloqueios por parte dos ambientalistas e das posturas ambientais do país, a biodiversidade animal já se foi, porque dessa forte interconexão de predações não restou vida animal dentro da floresta, a não ser nos microorganismos que também estão ameaçados de desaparecer. E alguns deles podem ser salvação de vidas em termos de fármacos e de produtos naturais.
Bom, mas se eu como geógrafo adotasse apenas essa linguagem ecológica de três conjuntos de espaço: ecossistema, agro-ecossistema e sistemas urbanos: eu me esqueceria dos fatores de dinamização e de interconexão. São as vias de circulação que põem em contacto os homens das diferentes áreas do rural ao urbano, do urbano ao urbano, do rural ao outro rural, do outro rural com o outro urbano. E, nesse sentido, o fator de dinamização que os antigos geógrafos, os nossos mestres paternais, como Vidal de Ia Blache, Pierre George, eles diziam: Os fatores de dinamização do espaço estão relacionados com as vias de comunicação e com a cidade. Hoje o mundo não perdoa quem apenas ficar nisso. Nós temos como fator de dinamização, as vias de circulação, o crescimento harmônico das cidades, a harmonização das desigualdades sociais, nesses certos sistemas urbanos gigantescos, e ao mesmo tempo a industrialização, que passa a ser um fator complicador. Não há a possibilidade no mundo, de um país disputar seu lugar ao sol, no hall dos países dentro da organização atual do mundo, dentro da divisão atual do mundo, sem que ele cuide da industrialização. E aí começa a distorção.
A industrialização surge nas pontas de ruas das cidades pequenas, nos arredores das cidades pequenas, em distritos industriais anômalos com uma grande concentração de poluição, e surge entrando pelo campo a fora, tomando espaço da vida rural. E aí começa a complicação da deterioração. As cidades crescem em altura, crescem em área, crescem por saltação, cada tipo de saltação é diferente do outro. Aqui um loteamento de pobre, ali um loteamento de classe média, acolá um distrito industrial, mais adiante uma indústria altamente poluidora, e com isso o pano de fundo dos agro-ecossistemas começa a diminuir de espaço e de intensidade de produtividade.
Eu moro num Estado em que seu futuro é trágico, porque ele teve durante a história econômica agrária, seis cidades e hoje durante a evolução dos processos agrário-econômicos, que redundaram no pró-álcool, que foram incentivados pelo próprio pró-álcool pela expansão da soja e pela implantação das usinas, etc. O espaço total de São Paulo está poluído por essas saltações a partir do mundo urbano e dentro de escalas de tempo que nós não podemos imaginar como sendo de 10 ou de 30 anos, como os economistas, mas dentro da escala de tempo da complexificação do espaço total. Nós podemos ter uma aldeia global gigantesca ou quase totalizante, tampando todos os espaços pela interconexão das cidades. É assim que o geógrafo tem que pensar o futuro. E ao mesmo tempo, por assim pensar o futuro, futuro de 100, 200, 500, 1000, 10000 anos, ele também tem que pensar o futuro da biodiversidade em torno desses tempos. Enquanto o economista planejava no meu tempo para 15 anos, depois passou a pensar que 15 anos é muito, pode modificar muita coisa, vamos planejar para 5 anos. Agora eles são obrigados a revisar os problemas econômicos da manhã para a tarde, em termos de modificações do termômetro das pressões políticas sobre o preço do dólar, sobre o preço das mercadorias. Nós não temos que ficar com esse tipo de previsão. A nossa previsão é para escala de tempo maiores. Então em função do conhecimento do espaço total, com seus agro-ecossistemas ainda em pano de fundo das regiões, e em termos de conhecimentos da posição das cidades, cada qual com sua ordem de grandiosidade dentro de certas hierarquias de redes e de domínio urbanos, e de bacias urbanas, nós aí é que teremos força para dizer, se foi introduzido esse projeto, ou esse conjunto de projetos a tendência para o futuro será desse tipo ou daquele cenário. Os cenários feitos pelos economistas a respeito de algumas regiões são tremendamente falsos. Eu vi agora um trabalho sobre cenário para o sul do Pará no ano 2000, que era uma série (Pg. 104) de linhas envolventes e cruzadas e que não dizia nada sobre o espaço total atual e nem aquele que poderá ser o do futuro. Como é que pode fazer estudo de cenário e passar com teses de doutoramento nas universidades brasileiras, sem ter a noção de espaço total. Quer dizer, não tem a síntese, não tem a interdisciplinaridade que nós praticamos durante toda a nossa existência (...).
Nós geógrafos temos que continuar sendo bons observadores das regiões; dos sub-espaços das regiões; da organização humana dos espaços sobrepostos à organização herdada da natureza; dos fatos que dizem respeito à estruturação da sociedade e da projeção da sociedade sobre os diferentes espaços e os níveis sócio-econômico das diferentes populações; e dentro das diferentes populações, daquelas que são mais carentes e que precisam mais do nosso trabalho. Nós temos que nos reeducar, esquecermos um pouco a teorização absurda de que invadiu a geografia brasileira nos últimos 20 anos e passemos a ser geógrafos de campo. Do campo sobre o terreno, do campo sobre o social, do campo sobre a meditação, em termos de propostas para o campo onde estão os homens, nas cidades, nos agro-ecossistemas e nos redutos da natureza que devem ser preservados como um esclarecimento cultural a favor da continuação da vida por todos os tempos se possível.

1 Texto extraído por transcrição de fita gravada durante a Conferência de Abertura da XIV SEMAGEO, na manhã de 24/05/1993.

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